Início Colunistas O preconceito nosso de cada dia

O preconceito nosso de cada dia

Muita gente nega a aceitar que existem preconceitos no Brasil pela ausência de agressões visíveis. Num país complexo e diversificado como o nosso, alimenta-se certa ilusão de que as relações são harmônicas e as atitudes preconceituosas não passam de episódios pontuais. Entretanto, o que nem sempre conseguimos explicar e/ou expressar é que frequentemente o preconceito se trata muito mais de um critério de avaliação e/ou julgamento do que uma ação de violência mensurável contra o outro. E, nesse sentido, a própria escola falha em suas práticas pedagógicas.
Vou tentar exemplificar.

Meses atrás, uma mãe me contou um episódio ocorrido na sala de aula. A professora, com a maior boa vontade de tentar motivar um garotinho a estudar, declarou diante de todas as crianças da turma:

– Menino, você precisa estudar! Ou quer acabar sendo um lixeiro?

Tenho quase certeza que a professora não pretendia ser maldosa. Mas a intenção dela de motivar o aluno a se empenhar nos estudos acabou por revelar uma espécie de preconceito. Quem seria o gari, na ótima dela? Uma pessoa punida pela vida por ter se esforçado pouco e não ter estudado o suficiente.

Também acredito que se perguntássemos para essa professora “você tem algum preconceito contra os garis?”, dificilmente ela admitiria isso. Porém, o discurso dela indica uma forma de hierarquizar, categorizar as pessoas. E esse tipo de preconceito está entranhado em cada um de nós.

Pensemos em algumas situações cotidianas.

O profissional de Recursos Humanos está fazendo a seleção de jovens para trabalharem no atendimento presencial de clientes. A candidata a ser contratada terá que ser ágil, simpática, desinibida e promover a imagem da empresa. Durante as entrevistas, uma moça obesa pleiteia a vaga. Ela tem boa formação, parece reunir as habilidades cognitivas e emocionais necessárias. Porém, uma outra candidata reúne habilidades semelhantes e é magra, tem corpo de atleta. Como regra (ainda que existam exceções), a moça magra será contratada. Situações semelhantes ocorrem em processos seletivos que envolvem pessoas jovens e mais velhas, negros e brancos, homens e mulheres, tatuados e sem tatuagem etc.

Nos relacionamentos, situações semelhantes ocorrem. Dias desses, conversava com uma amiga gaúcha e ela brincava sobre preconceitos reproduzidos pelas pessoas que são naturais da região dela. Em resposta, brinquei que “adoro os gaúchos; só não queria que minha filha casasse com um deles”. De fora, talvez alguns de nós, do Paraná e de outras regiões do Brasil, alimentemos certa imagem de arrogância e postura de superioridade do povo gaúcho.
Quando pensamos nos baianos, o que vem à mente? “Ah… são preguiçosos”!

Enfim, de raças, gêneros, regiões etc., mantemos certos estereótipos que funcionam como critérios de avaliação e/ou julgamento e até mesmo de exclusão.

É fato que muitas dessas imagens foram construídas historicamente e, talvez, com um pouco de convivência, rapidamente se desfaçam. Contudo, por vezes, exercem efeito de preconceito motivando diferentes formas de exclusão. A exclusão não precisa necessariamente ser de uma vaga na universidade; pode ser a não aceitação “desse tipo de pessoa” no meu grupo de amizades, dentro da minha família, para comer na minha mesa, trabalhando na minha equipe, casando com minha filha…

Ou seja, ainda que nem todo preconceito se manifeste explicitamente, fisicamente ou numa agressão verbal, segue sendo uma agressão simbólica. O outro – que é a vítima, talvez por suas características físicas, herança genética, raça ou mesmo pelo local de nascimento – sente a rejeição, nota estar sendo colocado numa posição inferior ou mesmo não ser bem-vindo a um determinado ambiente.

Justamente por essas características, o combate aos preconceitos não é simples. Leis podem ser importantes para punir certos episódios. Porém, as ações educativas – sejam no âmbito escolar, político, comunicacional ou mesmo religioso – contra as diferentes manifestações de preconceito carecem de estratégias voltadas para a formação de nossa subjetividade, para a promoção de um olhar generoso, acolhedor e amoroso para com todas as pessoas. 


Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação

COMPARTILHE: