O medo de morrer por covid-19 atinge 8 em cada 10 jovens brasileiros e chegou a 79% dos entrevistados em abril, de acordo com levantamento do Espro (Associação de Ensino Social Profissionalizante). O temor é ainda maior em relação à morte de familiares pela doença: 95%.
“No início da pandemia, eles não sabiam direito o que era, não tinham certeza da letalidade e nem tomavam os cuidados. Mas foram tomando consciência com o passar do tempo e o medo foi crescendo a cada onda. A partir do momento que o jovem percebe a letalidade, aumenta o medo de morrer. A preocupação é maior com parentes do que com eles mesmos”, explica Alessandro Saade, que é superintendente executivo do Espro.
Priscila Ribeiro Lima Sampaio tem 21 anos e mora na zona sul de São Paulo. Ela começou a faculdade em 2020 e, dois dias depois, a unidade fechou por causa da pandemia. “Desde então nunca mais voltei. Naquela época eu ainda não tava preocupada, não tinha ideia do quão grave era. Na minha cabeça era uma coisa passageira que, com 2 semanas, todos estariam de volta pro trabalho, pras escolas. Foi quando não vi melhoras que comecei a mudar meu pensamento”, diz.
No início da pandemia, se tinha a ideia de que a doença matava mais idosos e pessoas com comorbidades. Hoje já se sabe que a covid-19 atinge todas as faixas etárias e pode levar a óbito jovens e até crianças, dependendo da evolução do quadro clínico.
Aline Gabriela de Oliveira Alves tem 21 anos e tenta se isolar o máximo possível, ainda mais depois que a mãe e a tia tiveram a doença em 2020. Este ano foi a vez do pai, que é professor e foi contaminado no retorno às aulas presenciais. “Na época que pegaram, não tinha tantos jovens morrendo. Eu temia mais por eles do que por mim. Hoje acho que já tá igual o nível de preocupação”, conta.
Segundo o levantamento do Espro, realizado desde abril de 2020, o jovem vive o pior momento da pandemia com alto nível de preocupação e de tristeza com as medidas de isolamento social. Entre os temores dos jovens estão também o impacto na economia (91%) e perder emprego ou fonte de renda (89%).
“Os jovens da pesquisa estudam e trabalham, têm mais responsabilidades. Eles sofrem pressão grande pela perda do poder aquisitivo da família. Alguns passaram a ser o arrimo e sustentam a casa com um único salário, o que trouxe um forte peso emocional”, afirma Alessandro Saade.
Pesquisa
A sexta etapa da pesquisa Jovem Covid-19, sobre a influência da pandemia na vida pessoal e profissional de brasileiros entre 15 e 24 anos, foi realizada pelo Espro com 17.422 jovens aprendizes em 18 estados e no Distrito Federal. Só em abril foram ouvidas 3.803 pessoas por meio de um questionário online com 25 perguntas.
A instituição é filantrópica e capacita adolescentes e jovens para a inserção no mercado de trabalho, em especial aqueles em situação de vulnerabilidade social.
A pesquisa aborda o impacto da covid-19 levando em conta quatro pilares: profissional, emocional, financeiro e educacional.
De acordo com o levantamento, 89% dos entrevistados alegaram ter preocupação alta ou muito alta de ficar doente contra 82% em abril do ano passado. O temor em relação a amigos e parentes contraírem o novo coronavírus passou de 92 para 96% em um ano de pandemia. Outros 61% disseram que temem ficar em casa sem contato com as pessoas.
Mas nem todos se preocupam na mesma medida. Um jovem de 23 anos, que prefere não se identificar, decidiu que a rotina deve continuar apesar da pandemia. Ele está desempregado, mora em Guaianases, no extremo leste de São Paulo, em uma casa com a avó de 76 anos, responsável pelas despesas.
“Fui muito em festa clandestina, fui em sítios em Mairiporã e na zona sul. Em barzinhos falavam que tavam respeitando as normas, mas o povo estava tudo sem máscara, em lugar fechado, sem álcool em gel. Aglomeração na Praça Roosevelt. Eu tava em todas”, lembra.
Ele conta que, no início da pandemia, tinha medo de pegar o coronavírus, mas ia no embalo de amigos. Mesmo com a morte de um tio-avô e de uma amiga por covid-19, ele não mudou os hábitos. Diz apenas que troca de roupa e tira o tênis para entrar em casa.
“É bem triste o que aconteceu, muitos morreram, mas quando tá no bem-bom com os amigos, a gente quase esquece. Na semana fica triste, mas quando chega o ‘sextou’, dá aquele fogo. Não sei se é sorte, se é Deus, porque eu exagerei muito”, conta.
Ele só usa máscara para entrar no transporte público por ser obrigatório e disse que também não usa álcool em gel para a preocupação da avó, que já tomou as duas doses da vacina. “Mesmo saindo, cuido dela e o amor é grande. O que ela mais fala é para parar de sair, que de repente acontece alguma coisa e eu trago o vírus pra casa. Tenho medo por ela. Se eu pegar, não dá nada em mim. Eu sou forte”, diz.
Impacto econômico
A pesquisa indica que 90% dos entrevistados temem que os pais percam o emprego na pandemia, 88% têm medo de ficar sem dinheiro para alimentação e remédios e 83% de não ter condições de comprar produtos de higiene e limpeza.
Apesar do receio de contrair o coronavírus, Priscila Sampaio precisa ir trabalhar. O trajeto é feito em dois ônibus. “Eu me cuido, tô sempre de máscara. Fico até bem preocupada quando tô num lugar que começa a encher, mas às vezes a gente não tem controle, né? O primeiro que pego tá sempre cheio, tanto que tenho que ir em pé. Já o segundo consigo sentar, mas ao longo do caminho, enche bastante. Na volta é a mesma coisa. Fico assombrada quando vejo aquele monte de gente entrando, mas sei que as pessoas têm que trabalhar”, ressalta a jovem.
O mesmo acontece na casa de Aline Alves. A namorada sai todos os dias: “Ela não conseguiu nenhum emprego para trabalhar de casa. Anda com duas máscaras e espirra álcool. Mas se não trabalha, a gente não tem como se manter. Ou morre de covid ou de fome”.
De acordo com a pesquisa, 22% dos entrevistados fazem home office integral e 46% trabalham presencial. Também 4% fazem rodízio de funcionários, 3% tiveram a jornada reduzida e 1% teve o contrato suspenso.
Na faixa de renda familiar de até um salário mínimo, apenas 16% dos entrevistados fazem home office enquanto para quem ganha acima de cinco salários mínimos, o índice é de 39%.
São Paulo lidera o ranking entre os estados com mais pessoas em home office: 28%. Já em Pernambuco, apenas 11% dos entrevistados podem trabalhar de casa.
Para Alessandro Saade, o levantamento também expõe as diferentes realidades e as desigualdades na pandemia. “São Paulo faz mais home office, mas os que têm renda baixa têm que ir presencial. O jovem com maior poder aquisitivo tem mais equipamentos para fazer o home office. Nem todas as empresas estavam preparadas e tem para oferecer”, destaca.
Outro dado da pesquisa é que 12% dos entrevistados com renda familiar de até um salário mínimo perderam renda e 9%, emprego. Outros 31% disseram que alguém da casa não tem mais a vaga no trabalho. No entanto, para as famílias que ganham acima de cinco salários mínimos, apenas 2% perderam renda e 3% o trabalho.
Também 74% dos entrevistados com renda de até um salário mínimo afirmaram que alguém da família recebeu o auxílio emergencial e em 25% foram os próprios jovens que contaram com a verba do governo.
Educação
Priscila Sampaio fazia faculdade no ano passado, mas teve que parar o curso porque não tem condições de pagar. Hoje ela é aprendiz no Espro e trabalha em um banco.
O jovem que não quer ser identificado sonha em fazer psicologia, mas está desempregado e quer retomar os estudos de forma presencial. “Online não gosto. Não gosto de estar em casa, quero ver os professores. Não falta comida nem energia em casa, temos tudo. Mas minha avó não dá dinheiro pros meus luxos”, lembra.
Segundo o levantamento, 46% dos jovens não estão estudando no momento, mas 88% dos entrevistados estão em EAD (Ensino à Distância). Apenas 2% vão às aulas nas escolas. Também 1% interrompeu os estudos por causa da pandemia.
“Muitas escolas foram para EAD mesmo não estando preparadas. Jovens pararam de estudar porque perderam renda ou porque a escola não atendeu à necessidade. A aprendizagem era presencial no Espro e agora está 100% à distância e com uma evasão igual ao que era antes da pandemia”, destaca o superintendente.
Isolamento e prevenção
A pandemia exige cuidados diários de prevenção contra o coronavírus e 97% dos jovens disseram que usam máscara, 96% álcool em gel, 92% lavam as mãos com frequência e 57% afirmaram não receber visitas em casa.
Quanto ao isolamento social, 42% dos entrevistados garantiram que só saem de casa para atividades essenciais, como ir ao mercado e farmácia. Outros 29% vão ao trabalho ou estudam fora. Apenas 5% dos jovens ficam o tempo todo em casa e 1% revelou que não está seguindo as recomendações sanitárias contra o vírus. Antes o percentual era de 7%.
Aline Alves mora no Jardim Alfredo, região da Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, e conta que, em alguns lugares, a quarentena nunca existiu. Ela perdeu contato físico com amigos, que alegam que saem porque precisam respirar e que ficar dentro de casa é ruim porque ataca a ansiedade.
“Escuto o som virando a noite aqui no bairro, mas nem coloco o nariz para fora. Acham que estão imunes, vão a bar, festas, conversam na pracinha e voltam para a casa dos pais. É um negócio de outro mundo. Fiquei hipocondríaca, não uso máscara de pano, com medo. Se saio, depois de alguns dias, acho sintoma onde não tem”, diz a jovem.
Para Alessandro Saade, o isolamento não é opção para quem tem que trabalhar: “O jovem pode até responder que faz o isolamento, mas não é possível se tem que sair para o trabalho. A gente está achando um meio de trabalhar de forma segura. Eles precisam aprender, não ser demitido e as empresas diminuíram o número de colaboradores e ainda mais de aprendizes”.
Outra face do problema é a emocional. O jovem é, em geral, ativo, ficava pouco tempo em casa, ainda mais quando o ambiente é pequeno e tem que ser compartilhado com outros familiares. Mas a situação mudou.
O estudo revelou que 94% dos jovens estão mais pensativos, 90% mais ansiosos, 81% mais desanimados e 75% mais tristes do que antes da quarentena. O pior cenário desde o início do levantamento.
Priscila Sampaio teve casos de covid-19 na família e a bisavó de 104 anos morreu da doença. O marido foi assintomático e só descobriu o diagnóstico após fazer exames.
“Eu tenho medo de morrer. Fico preocupada com a minha família em Minas e com a do meu marido em São Paulo, com quem convivo agora. Minha preocupação é com o todo, com a saúde pública, economia, desemprego, como vamos nos reerguer e passar por essa fase sem deixar tantas sequelas porque, no fundo, quem sofre é a população mais carente”, conclui.
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