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A santa “cola”

A turminha do terceiro ano do ginásio entrou assustada na sala. Haveria prova de matemática na primeira aula. O professor distribuiu a folha com as questões. Momentos após flagrou um dos alunos entregando um papelzinho ao colega que estava na carteira ao lado e que parecia muito nervoso. O mestre foi lá, pegou o papel, enfiou no bolso, deu a maior bronca: “Vão os dois para a diretoria. Tudo admito, mas cola não. E logo você, Valtinho, que sempre me pareceu um  aluno exemplar. Já para fora os dois. Nota zero”.

 Os meninos tentaram explicar, não adiantou, saíram os dois chorando. Só então o professor tirou do bolso a “cola” e leu o que estava escrito. Empalideceu de vergonha. Era só um bilhetinho de encorajamento de colega para colega: “Entregue suas preocupações ao Senhor” (Salmo 55:22). Bem sem graça ao reconhecer seu ato falho, chamou de volta os garotos e mandou que fizessem a prova. Pediu desculpas na frente de todos. A classe aplaudiu. Valtinho, como de costume, ganhou 10; o colega que recebeu o bilhetinho com o salmo ganhou nota 8.

 Passaram-se os anos. Já morando em Maringá, fiquei sabendo que Valtinho se tornara pastor. Hoje ele mora no céu e de lá certamente continua recomendando a cada amigo: “Entregue suas preocupações ao Senhor”.

 Essa historinha aconteceu há mais de 70 anos, mas continua nítida em minha velha memória. Toda vez que me lembro dela fico pensando no sofrimento daquele professor. Ele tinha fama de bravo, porém no fundo era muito gente boa. Deve ter perdido algumas preciosas horas de sono remoendo remorsos pela injustiça involuntariamente cometida.

Por ser a “cola” uma prática tão antiga quanto a própria escola, qualquer professor, vendo um aluno passar um papelzinho a outro durante a prova, de pronto supõe tratar-se de uma tentativa desleal de ajuda ao colega. Todavia no caso não era. E deu no que deu.

Decerto foi para evitar situações embaraçosas como essa que Jesus, o máximo sábio, alertou os seus discípulos: “Cuidado… não julguem pelas aparências”. As aparências muita vez enganam. Daí a generalizada aceitação do princípio segundo o qual “in dubio pro reo” (na dúvida, decida-se a favor do réu), ou seja: “melhor um culpado solto do que um inocente preso”. Claro: há sempre o risco de alguém desvirtuar o “in dubio”, usando-o indevidamente em benefício de pessoas comprovadamente culpadas. Mas, mesmo assim, até em nome da civilização, é fundamental que se mantenha válida a bela máxima jurídica.

 Julgar é muito difícil – implica enorme responsabilidade. Um mínimo erro de interpretação pode levar o julgador a tomar decisões gravemente defeituosas.

 E todos nós, por algum lapso, ou mais frequentemente por boa-fé, estamos sujeitos a cair nas teias de enganosas aparências. Conclusões apressadas são, portanto, arriscadas demais. Nem sempre o que parece “cola” é realmente “cola”. Pode ser um belíssimo salmo.   

 Obrigado, Valtinho. Valeu a lição.

A.A. de Assis
Foto – Reprodução

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