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Ensinar exige que o educador tenha bom senso

Não faz muito tempo que me encontrei diante de um impasse para avaliar um aluno. O regulamento para casos como o daquele acadêmico listava algumas regras que resultariam na reprovação já no processo preliminar de fechamento da disciplina. Mas, olhando para o histórico dele, o desempenho, o esforço empreendido e conhecendo as condições externas (que envolviam a vida dele) que enfrentava naquele momento do curso, era nítido que o regulamento, se aplicado, levaria a uma injustiça. O que fazer?

Enfrentei dias difíceis para tomar uma decisão. Me senti pressionado pelo regulamento, mas meu compromisso em cuidar primeiro das pessoas, me fez recorrer a uma regra que não estava em nenhum documento escrito: ter bom senso!

O bom senso não existe nos manuais; não é uma regra explícita, textual, mas, na prática pedagógica, é essencial. Sem bom senso, podemos ser injustos. Talvez por isso o educador brasileiro Paulo Freire, um pesquisador tão sensível e focado no ser humano, defendeu a tese: ensinar exige bom senso. Para ele, quem ensina precisa, antes de tudo, lembrar-se que todo professor está lidando com gente, com pessoas e suas histórias.

O bom senso é a sensibilidade que todo o educador deve ter de enxergar para além de um nome no livro de chamada; trata-se da capacidade de olhar para o ser humano. E isso demanda que se transcenda as regras, o que dizem os regimentos e manuais e ver as condições que envolvem os processos de ensino, aprendizagem e o próprio contexto que envolve o aluno.

Essa capacidade de avaliação, para além das aparências, é baseada na disposição de enxergar o outro, de ter empatia, de se importar com o aprendiz. Também requer uma vivência ética, a busca por equilíbrio e justiça – sem ser frio e legalista.

Todo professor exerce autoridade em sala. Ele toma decisões, orienta atividades, estabelece tarefas, cobra a produção individual e coletiva do grupo. Isso faz parte de seu papel. Não é sinal de autoritarismo; é obrigação do professor. Por outro lado, no cumprimento do seu dever, é fundamental romper com o formalismo insensível que o “faz recusar o trabalho de um aluno por perda de prazo, apesar das explicações convincentes do aluno”.

Nem sempre o pedido feito pelo aluno por uma segunda chance é fruto de displicência ou má fé; tampouco a concessão dessa “segunda chance” por parte do professor é desinteresse em ensinar. Muitas vezes, acolher um aluno que parece ter falhado no percurso da aprendizagem é uma maneira de dizer a ele que vale a pena tentar de novo; é garantir o incentivo necessário que pode definir o sucesso futuro ou o fracasso do aprendiz. Infelizmente, conheço um caso de uma moça que, na graduação, na última prova, por não ter uma segunda chance, reprovou numa única matéria; depois disso, nunca mais voltou para a faculdade. Havia sido uma das melhores alunas durante quatro anos, mas ficou sem o diploma.

Paulo Freire tem razão: ensinar exige bom senso.

O ensino envolve afetos. O ato de ensinar e o de aprender não são mecânicos. Por isso, o bom professor sempre será aquele que vai além dos planos pedagógicos, dos regimentos institucionais. O educador é quem se importa com o aprendizado do outro e, para isso, exerce o bom senso – algo que, de fato, não cabe em papel e não tem como ser definido nos manuais. Enfim, na busca da coerência com a própria dinâmica da vida, o bom senso é a transformação do amor ao saber e do interesse real pelo aluno numa prática virtuosa de educação.


Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação

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