Que o cérebro humano é preguiçoso, muita gente já desconfia. E, se você desconfia, pode ter certeza agora. Nosso cérebro é preguiçoso. Para o cérebro, funciona a lei do menor esforço. O cérebro não gosta de pensar em profundidade e nem fica confortável ao ser demandado para tratar de questões complexas – por isso, dá sono ler um texto mais denso ou assistir uma aula de um tema desconhecido.
Em virtude dessa “preguiça”, quase tudo que a gente acha que sabe, na prática, não passa de respostas parciais. Para não ter muito trabalho, o cérebro simplifica todas as grandes questões em teses bastante rasas, mas que funcionam como verdade em nossa mente. Isso nos dá tranquilidade e segurança, pois ficamos com a impressão que sabemos das coisas.
Entretanto, noto que essa preguiça mental tem ganhado contornos um pouco distintos – para além da dinâmica normal do funcionamento do cérebro. E isso por certa displicência da nossa parte. Tem nos faltado atenção. Vivemos distraídos, com a cabeça “no mundo da lua”, como dizia meus pais.
Vou dar dois exemplos. O primeiro, mais genérico. O segundo, aconteceu nessa última semana e envolveu uma das nossas alunas.
Primeiro exemplo, a pessoa produz e vende salgadinhos. Ela vende três tipos de salgados: coxinha, bolinha de queijo e rissole. A pessoa então faz uma pequeno anúncio no Facebook. Ela escreve: “gente, estou vendendo salgadinhos. Eu tenho coxinha, bolinha de queijo e rissole. O cento custa 50 reais. É só encomendar pelo WhatsApp. Nós entregamos na cidade com taxa de 5 reais.” E acrescenta o número do contato.
Quando se olha os comentários do post, notam-se perguntas do tipo: quanto está o cento da coxinha? Você cobra taxa de entrega? Você tem empadinha?
Bom, se você está prestando atenção neste texto, certamente sabe que todas essas perguntas já estavam respondidas pelo próprio anúncio. No anúncio, a pessoa disse quanto custava o cento do salgadinho, qual era a taxa de entrega e também quais salgados está vendendo.
Agora vamos ao segundo exemplo… Esta semana, uma aluna de Jornalismo entregou um texto como parte da avaliação. Havia sido solicitada a produção de uma reportagem; a acadêmica escreveu uma notícia. São coisas diferentes; gêneros textuais distintos. Optamos por dar uma chance para ela. E mandamos o seguinte recado: “peço que me envie uma reportagem, como foi solicitado, até amanhã, para que possamos lançar sua nota”.
Veja a resposta da aluna: “ok, professor, muito obrigada. Até quando eu posso entregar a nova reportagem?”.
Bom, você já deve ter reparado que essa informação havia sido enviada. O dia de entrega, no caso, era amanhã. Ou, o dia seguinte da mensagem.
Esses dois exemplos retratam um tipo de preguiça mental que não tem a ver com o funcionamento normal do cérebro; tem a ver com displicência e até desrespeito com o interlocutor.
Tem faltado para muitos de nós uma atitude ativa de escuta e de leitura. Diante de um texto, muita gente não presta atenção em tudo que está escrito; diante de uma fala, mantém-se uma escuta negligente, sem efetivo envolvimento.
Por mais que esse comportamento distraído possa parecer normal, entendo que é evitável. Basta querer!
Se trata-se de um texto, leia, releia, repare em todos enunciados.
Se uma pessoa está falando, foque na pessoa e em seus argumentos. Não fique olhando o WhatsApp, reparando o vestido da colega, pensando na briga que teve com o chefe… Ouça com atenção e paciência.
Certamente, se agir assim, a apreensão do que foi dito ou escrito será muito melhor.
Ah… E se quer entender sobre o funcionamento do nosso cérebro (na perspectiva inicial deste artigo) sugiro a leitura do livro de Daniel Kahneman, “Rápido e devagar: duas formas de pensar”. Também sugiro os estudos de David Eagleman, inclusive o livro “Como o cérebro cria”.
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Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação
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