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O som da cidade quando o mundo silencia*

A cidade está silenciosa. Não dá para saber ao certo o motivo. Barulhos de outrora se tornaram livre passagem para o canto dos passarinhos, há tempos inacessíveis, quiçá nas áreas rurais de uns quilômetros adiante. Um deles pousou na corrente suspensa no ar, olhou para dois rapazes tristes que conversavam amenidades e sorriu. O pássaro sorriu. E, mesmo assim, os homens amenos seguiram quietos, reflexivos, queixosos daquilo que poderia ter sido. 

Ouvia-se ao longe. Os passos do senhor bem no meio da rua. Quieta, a cidade deflagra alguns comportamentos humanos solitários, arredios. Sapatos deploráveis arrastando sola pelo asfalto morno da região central. Este é o som da cidade quando o mundo silencia: ouve-se homens rastejantes e que não fazem nada de útil a não ser sobreviver de uma maneira quase desgraçada, em meio ao silêncio, em meio ao caos interior, em meio às decepções.

Pelo menos Antônio Marcos, em meio a tantas frustrações, tinha o privilégio de ver as gaivotas pelo mar afora. E ele vai sorrir na casa dele até adormecer. Mas o homem continua sendo o mesmo: na canção do cantor renegado do século 20 ou na marcha fúnebre do homem contemporâneo que arrasta seus sapatos no centro de uma cidade completamente silenciosa. Silenciada talvez. Tanto faz.

O silêncio pode ser uma questão de ponto de vista, ou de opinião. Quando se fecha os ouvidos, é possível escutar tudo sem ouvir absolutamente nada. A mente é poderosa, e traz até sons na memória infantil, quando ônibus acelerados iam de baixo para cima nas ruas íngremes da zona leste de uma imensa capital. Era madrugada, idos 1990, e estranhamente uma criança perdia o sono envolto a pensamentos enquanto veículos ruidosos levavam os loucos solitários – ou os miseráveis do trabalho escravo – para cima, para baixo.

Um pássaro sorriu e ninguém notou, outra ave cantou e optaram por ouvir a sinfonia do fracasso. Certo dizer, sim, que a cidade silenciou, mas o que mais precisamos fazer para que o massacre do cotidiano se torne música para os ouvidos, em ampla sintonia e uma capacidade alienante de ter bons ouvidos em meio ao bombardeio, minas terrestres e gritaria do desespero existencial?

Por Wilame Prado
pradowil@gmail.com

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