A pandemia aprofundou um problema que há décadas tem sido negligenciado no Brasil: a desigualdade na educação. As crianças de origem pobre são vítimas duas vezes: da pobreza em si e das impossibilidades de acesso ao melhor da educação. Na pandemia, porém, a falta de recursos aprofundou o problema: muitas crianças, adolescentes e jovens não possuíam o mínimo necessário para acessar as aulas on-line.
Uma reportagem da BBC Brasil, que teve como referência uma pesquisa do instituto DataFolha, encomendada pela Fundação Lemann, Itaú Social e Banco Interamericano de Desenvolvimento, apresentou dados que nos ajudam a compreender um pouco a dimensão dessa desigualdade.
Segundo a pesquisa, mesmo depois de um ano e oito meses do início da pandemia e das aulas on-line, mais da metade dos alunos da rede pública ainda não tem computador com acesso à internet.
A pesquisa revelou que cerca de 85% dos alunos, que assistiam às aulas no sistema remoto, faziam isso pelo celular. Entretanto, em algumas famílias, o aparelho precisava ser dividido por até 3 pessoas. A falta de internet também foi e continua sendo uma realidade para muitos alunos. Milhares de estudantes perderam aulas por falta de conexão à rede.
Professores que atuam na rede pública e também em escolas particulares relataram à reportagem da BBC que, não raras vezes, nas aulas de escolas particulares contavam com cerca de 90% dos alunos presentes, já nas escolas públicas não era incomum passar a aula inteira sem a presença de um único aluno.
A desigualdade social e econômica também se revela na falta de acesso a determinados bens e serviços. Durante a pandemia, tornou-se fundamental ter computador, internet e um espaço adequado para estudar. Entretanto, essa não foi e não é a realidade de milhões de alunos pobres.
Mesmo no ensino superior, em instituições particulares, muitos alunos desistiram de seus cursos por não conseguirem acessar as aulas on-line. Recordo de uma aluna, que estava no terceiro ano da faculdade quando começou a pandemia. Ela pagava as mensalidades com o dinheiro do estágio. Mas a família era muito pobre. Não tinha internet em casa. Então, a jovem não assistia as aulas como os colegas. Para ter acesso ao material gravado, durante o dia, ela procurava baixar o conteúdo quando estava num ambiente que tinha Wi-Fi. Entretanto, as semanas foram passando, a quantidade de aulas on-line foi aumentando e chegou um momento que a aluna teve que desistir. Não tinha como continuar. Ela não tinha como acompanhar.
O caso dessa jovem não foi único durante esse período. E os professores sabem que, desde a educação básica, passando pelo ensino fundamental e médio, até o ensino superior, para não prejudicar ainda mais muitos alunos, foi necessário cobrar menos, abonar faltas, cancelar uma série de atividades. Tudo para não desestimular e, inclusive, não reprovar milhares de crianças, adolescentes e jovens.
Como mostrou a reportagem da BBC Brasil, criou-se um abismo entre a rede particular e a rede pública. Esse abismo não esteve relacionado apenas a ausência de acesso a uma estrutura mais adequada nas escolas públicas ou por falta de habilidade, treinamento para os professores do ensino público. O abismo foi aprofundado justamente pelas condições totalmente desiguais enfrentadas pelos alunos pobres.
E sabe qual o problema disso? Se, em um cenário tido como normal, os alunos pobres já estão em condições menos competitivas para a realização de exames como o Enem e vestibulares, a pandemia certamente ampliou a diferença no preparo dos alunos das redes particular e pública.
Especialistas acreditam que os efeitos serão notados já no Enem deste ano, com menos jovens pobres aprovados nas universidades. A situação deve ser semelhante nos vestibulares.
Porém, o prejuízo ocorrido durante a pandemia não deve se limitar a este momento. Quem perdeu aulas e conteúdos nesses dois anos não consegue recuperar isso em seis meses ou um ano. Talvez seja um prejuízo que levará para a vida.
Além disso, com a pandemia, todo o sistema educacional passou a usar ainda mais as tecnologias nas diferentes práticas de ensino – o que torna urgente a sociedade e os governos pensarem estratégias, políticas públicas, que possam amenizar as condições tão desiguais enfrentadas pelos alunos pobres.–
Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação
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