Manuel Bandeira costumava falar de um velho hotel carioca chamado “Península Fernandes”. Dizia que certa vez, passando em frente em companhia de um primo, não resistiu à curiosidade. Entrou e perguntou qual o motivo da denominação. O dono explicou simplinho: “Ora, Fernandes porque é o meu nome, e Península porque acho bonito”.
Pronto. Bandeira, consagrado poeta, imortal da Academia, respeitável professor de literatura no Colégio Pedro II, acabara de finalmente aprender o que de fato é poesia.
Na minha cartilha do grupo escolar havia um textinho de leitura cujo título era “Plenilúnio”. De primeira fiquei encantado com essa palavra, e até hoje ela me alvoroça os instintos líricos. Chego mesmo a pensar que uma lua cheia, para ter de fato jus a ser chamada de plenilúnio, tem que nascer moldada no máximo capricho. Daquelas que só Catulo e Sílvio Caldas sabiam descrever com a devida lindura em verso e música.
Claro: todo idioma tem palavras especialmente bonitas: O francês tem “papillon”, o italiano tem “giardino”, o espanhol tem “naturaleza”, o latim tem “pluvia”, o japonês tem “saionara”, o inglês tem “forever”… Mas o português é demais – é uma língua riquíssima em palavras fortes, belas, marcantes. Bom exemplo é a letra do Hino Nacional, com aquela vigorosa sucessão de proparoxítonas: margens plácidas, raios fúlgidos, gigante impávido, risonho e límpido, berço esplêndido, florão da América, e de acréscimo um estrelado lábaro.
Aliás, qualquer discurso ganha impulso heroico se é recheado com uma boa dose de proparoxítonas: alvíssaras, efêmero, fantástico, implícito, intrépido, patético, píncaro, ríspido, unânime, uníssono. Até xingamento parece chique se tem tônica esdrúxula: energúmeno.
Olhos e ouvidos, por dom natural, gostam de palavra bonita. Se você perguntar a um grupo de pessoas quais são as mais belas da língua portuguesa, aposto que, entre muitas outras, entrarão estas na lista: alvorada, aquarela, assobio, aurora, borboleta, elegia, epifania, espuma, horizonte, jasmim, lagoa, liberdade, lírio, macio, murmúrio, penumbra, pirilampo, planície, primavera, saudade, sereno, silêncio, ternura, tiquinho, vereda, violeta.
Sem dúvida, entrarão também muitas daquelas doces palavras que aprendemos com os irmãos africanos: acarajé, berimbau, cafuné, dendê, maxixe, quitanda, quitute, e com os irmãos tupis-guaranis: araçá, arara, canoa, juriti, jururu, sabiá, siri.
Só não vale confundir falar bonito com falar difícil.
Isso me faz lembrar um episódio ocorrido no Início dos anos 1960. Um então famoso poeta estava em andanças pelo interior fluminense como candidato a deputado. Num dos comícios, um orador que curtia esmerar no vernáculo saudou-o com estabanada saraivada de adjetivos: “Ilustre, insigne, ínclito, preclaro e mentecapto poeta das multidões!…”
O candidato sorriu meio sem jeito, respirou, respondeu: “Chamaste-me ‘mentecapto’, / mas tudo bem, caro irmão… / A mim me importa de facto / é a tua santa intenção…” Tenho dito.
A. A. de Assis
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