No início do século 20 a arte era bem-comportada, parnasianamente certinha, em todas as suas formas de expressão. Inclusive, ou principalmente, a literatura, e primeiro que tudo a poesia, com as suas rimas ricas, sua metrificação matematicamente esmerada, seu vocabulário erudito, suas ousadas metáforas e o charme das suas belas musas.
De repente, porém, o coreto começou a balançar. Com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-18), uma alegre sensação de liberdade espalhara-se por todo o planeta, alvoroçando impulsos e costumes. Veio em seguida o centenário da Independência do Brasil. Ingredientes bastantes para assanhar ideias de geral mudança.
Foi aí que apareceu uma rapaziada meio que topetuda pregando a aposentadoria do passado e a simultânea inauguração do futuro.
Até então o Brasil era visto como uma extensão de Portugal, a começar pelo idioma. Então os moços acharam que era hora de “desvairar a Pauliceia”, romper com o formalismo tradicional, abrasileirar a gramática, popularizar a estética, enfim deixar solta a inspiração para produzir uma arte mais viçosa, desamarrada de peias e cabrestos.
Para oficializar o agito, organizou-se a barulhosa Semana de Arte Moderna, sediada no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13 a 18 de fevereiro de 1922. Ou seja, há exatos 100 anos. Poesia, música, pintura, escultura. No palco um time da pesada: Mário e Oswald de Andrade, Graça Aranha, Victor Brecheret, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Guiomar Novaes.
A repercussão, porém, não foi nada boa. Vaias do auditório, críticas zangadas da imprensa. “Arrogantes”, “irreverentes”… de tudo foram chamados. O público não estava preparado para aceitar tão atrevidas experiências assim de uma hora para outra.
Os críticos diziam: 1. que eram riquinhos esnobes, filhos rebeldes da aristocracia rural; 2. que falavam em desatrelar de Lisboa a cultura brasileira, mas tentavam implantar aqui os modismos trazidos de Paris: futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo; 3. que poderiam brincar de moderninhos mas sem debochar dos que preferiam o clássico. E por aí afora.
De fato a moçada cometeu alguns erros. Mas o mais grave foi a ideia de que seria preciso desconstruir o antigo para introduzir o novo. Algo assim como demolir Roma para no seu lugar erguer uma Dubai. Ou seja, faltou respeito à arte tradicional. Faltou pedir a bênção aos grandes gênios que brilharam antes. Deveriam saber que ninguém “mata” um Luís de Camões, um Gonçalves Dias, um Castro Alves, um Olavo Bilac.
Porém a “Semana” rendeu também muitos bons frutos. A partir dela ganhamos uma superestrelada geração de megacraques das artes: Portinari, Tarsila, Bandeira, Drummond, Cecília, Guimarães Rosa, Vinícius, Quintana…
A. A. de Assis
Foto – Reprodução
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