Muitos aprendemos e acreditamos que após a morte seremos julgados por Deus, que decidirá se iremos para o céu ou para inferno, com uma terceira opção, um pouco fora de moda, o purgatório, que teria sido criado como pretexto para a ‘venda de indulgências’ ( não confundir como venda de sentenças, que pode acontecer na justiça humana).
Aqui apareceria um problema, que é saber o ‘foro do julgamento’ e se haveria ‘o privilegiado’ para os ‘homens de Deus’, o papa, bispos, padres, pastores, para ministros do STF, presidentes da república, e outros.
Teríamos direito à ampla defesa e ao contraditório? Se a resposta for que seremos julgados no céu, onde está Deus, não poderão alguns advogados alegar que o foro não é competente e Deus ser acusado de incompetente e parcial, em caso de condenação, daqueles que se julgam, na Terra, acima de qualquer suspeitas?
Sendo Deus justo, perfeito, soberanamente bom, seu julgamento seria imparcial. Ou será que manteria um convênio com ‘o inferno’ e mandaria os pecadores graves para o diabo, capeta, satanás ( são diversas as denominações daquele que seria o ‘deus do inferno’)? Racionalmente não dá para admitir. Não, não é assim que funciona, como veremos no final.
Faço esta introdução para refletirmos sobre um texto,’ publicado pelo jornalista Merval Pereira, em o Globo, que resumiremos a seguir:
A questão da imparcialidade na justiça brasileira, discutida desde que o ex-juiz Sérgio Moro foi considerado “suspeito” no processo que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá, ganha novos ares com um trabalho da jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista em número recente da revista Insight Inteligência, baseado em uma pesquisa empírica que realizou no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro há dez anos, que comparou com a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Ela não se refere ao caso recente de perseguição a Moro por parte do Tribunal de Constas da União (TCU), mas demonstra que a proximidade do Ministério Público com a magistratura é corriqueira no sistema judiciário brasileiro. Nesse caso atual, essa relação está explicitada na relação do Subprocurador do Ministério Público de Contas Lucas Furtado com o ministro do TCU Bruno Dantas.
Também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que comandou o julgamento da Segunda Turma que considerou Moro “suspeito”, não está citado, mas é exemplo de juiz que julga segundo critérios próprios de Justiça, colocando seus pontos de vista acima dos regulamentos, como acusa Moro de ter feito. A mudança de voto da ministra Carmem Lucia, determinante para a condenação de Moro, também é referida no trabalho como exemplo da fluidez do conceito de “imparcialidade”.
A jurista ressalta que a maior parte dos casos da Operação Lava Jato no STF foi decidida por maioria, sem consenso, e mais de dois anos após os fatos, demonstrando que “condená-lo à pecha de “parcial”, também explicita a lógica pendular e seletiva desse sistema”. Segundo a jurista, “o contraste dos dados (antigos) e os fatos (novos) permitiu pensar não apenas sobre a fluidez da categoria “imparcialidade”, como também nos paradoxos de nossa cultura jurídica que, entre dogmas e práticas, ilustram que os interlocutores, ao mesmo tempo em que expressam a sua descrença na imparcialidade, (…) por outro lado também reverberam a necessidade de sustenta-la enquanto crença”. (…)
Bárbara Gomes Lupetti Baptista diz em diversos momentos que não pretende minimizar a revelação da intimidade e cumplicidade da relação entre o Ministério Público e a magistratura no caso dos processos conduzidos pelo ex-juiz Sérgio Moro, e sua consequência, como a prisão do ex-presidente Lula às vésperas da eleição, mas não o condena nem absolve. Apenas confirma que sua pesquisa empírica demonstra que “ explicitar (ou tratar) como absurda, incomum, inédita ou extraordinária a conduta do juiz que conduziu o processo da Operação Lava Jato é, de um lado, desconsiderar a realidade processual brasileira, e de outro manter viva a crença em um conceito de imparcialidade sem correspondência com a realidade”. (…)
Nessa linha, diz Bárbara, a postura de Sérgio Moro, “comprometida por suas convicções pessoais e senso particularizado de justiça no tratamento e na condução da Operação Lava Jato, apontando, inclusive sua relação pessoal com o Ministério Público, não é inédita, nem extraordinária; é recorrente no sistema de justiça”. Segundo ela, muitos juizes brasileiros cuidam de processos, avaliam provas, decidem casos e interpretam fatos e leis a partir de sensos particulares de justiça. “Moro e a Operação Lava Jato são, portanto, a mais pura explicitação da Justiça brasileira”.
Voltando ao começo, não seremos julgados por Deus. O juiz será nossa consciência, onde estão gravadas as Leis Divinas, e que vai apontar se os erros e acertos cometidos na existência que se findou, num julgamento imparcial, com a nossa participação direta, sem ‘jeitinhos’.
O cumprimento de eventuais penas é outra conversa, mas não será num ‘inferno de fogo eterno’, nem os créditos pelos acertos nos levarão ao paraíso que nos foi pintado.
Justiça totalmente imparcial só a Deus, acredito. As do judiciário brasileiro, seja a federal, comum dos estados, eleitoral, militar, dependerá de homens falíveis sujeitos a parcialidade, com as honrosas exceções.
Akino Maringá, colaborador
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