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Qual a chance do mundo mudar?

É fato que a vida é movimento. Logo, tudo está em mudança. Sempre. Temos hoje hábitos e costumes que não tínhamos há 20 anos. Quem, no final do último século, imaginaria que nos comunicaríamos por um aplicativo de mensagens no celular? Entretanto, embora essas mudanças ocorram como efeito das inovações tecnológicas, há coisas que parecem não mudar – por exemplo, a desigualdade, o acúmulo de capital nas mãos de alguns poucos, a exploração do trabalhador, os preconceitos, a intolerância etc.

Paulo Freire sustenta, porém, que o educador deve acreditar que a mudança é possível. Para ele, o mundo não é assim, o mundo está assim. Há uma grande diferença entre ser e estar. Se o mundo não é assim – se ele está assim -, significa que a face atual que conhecemos não representa a verdade do mundo, representa apenas a face assumida e/ou construída pela sociedade atual. E isso pode ser mudado.

Eu confesso que essa ideia de Paulo Freire é uma das que mais me confronta. Sou educador. Preciso transmitir alegria e esperança. E devo levar isso para sala de aula porque acredito que a mudança é possível. Mas, para mim, não é simples acreditar na mudança.
Veja… Quando olho para o mundo econômico, não consigo vislumbrar um cenário mais favorável às pessoas. O que vejo é o aumento da concentração de riquezas, a escalada da desigualdade, a fragilização cada vez maior das leis que protegem os trabalhadores, empregos precários, fechamento de postos de trabalho, sistema previdenciário injusto… No Brasil, a chamada reforma trabalhista, aprovada em 2017, tirou parte significativa da proteção aos trabalhadores. Atualmente, as relações entre patrões e empregados estão fragilizadas e os contratos de trabalho, cada vez mais precários. A reforma da Previdência, votada em 2019, manteve privilégios de classes já privilegiadas e tornou mais difícil a aposentadoria daqueles que mais necessitam do amparo do Estado.

No mundo político, os embates revelam apenas a luta pelo poder. A lógica de favorecimento aos grupos “amigos” e aos poderosos é muito semelhante ao que a sociedade vivia ainda na antiguidade e no regime feudal, durante a Idade Média.
Se volto o olhar para a educação, vejo escolas públicas com estruturas precárias, professores mal remunerados e, muitas vezes, pouco qualificados para ensinar. A proposta pedagógica do país é inadequada para realidades tão distintas e, na tentativa de oferecer uma quantidade enorme de conteúdos, é incapaz de ensinar o básico – ler bem, escrever e fazer cálculos matemáticos. A escola também está distante de um dos ideais de Freire: ensinar a pensar bem.

Tudo isso me desafia, inquieta e confronta, quando o mestre Paulo Freire afirma que a mudança é possível, e o educador deve acreditar nisso. Contudo, apesar do meu incômodo, concordo com ele: o Brasil não é assim, o mundo não é assim; as coisas estão assim, porque homens e mulheres deram ao mundo essa cara. De certo modo, o mundo reflete nossos egoísmos, o individualismo exacerbado. Mas é possível mudar. Nada é estático. Tudo pode ser alterado. Basta querer.
As perguntas que se colocam, porém, são:  quem realmente deseja a mudança? Quem está, de fato, empenhado em promover a mudança?

O egoísmo que nos é natural parece nortear as escolhas e motivar em mais injustiças. Cada um quer o melhor pra si, não para o coletivo.
É neste cenário que Paulo Freire afirma: ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.
Note, trata-se de uma exigência. Exigência de convicção. A mudança nasce na convicção; uma convicção que se traduz em empenho, na luta para a construção de uma outra forma de viver, se relacionar, se organizar socialmente. Alguém precisa assumir este papel. E, para ele, a mudança começa na escola.

Por que é necessário ter convicção na mudança? Porque quando o educador acredita que é possível mudar, ele entra em sala e contagia as futuras gerações. O professor motiva os alunos a serem os agentes da mudança.
Se nós, adultos, somos incapazes de alterar as coisas, nossos filhos e filhas podem construir uma sociedade mais justa. Para isso, carecem de professores e professoras que não apenas ensinem conteúdos para formar mão de obra especializada; precisam de educadores que plantem boas sementes em seus corações, sementes de esperança de um mundo mais justo, de um mundo melhor.


Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação
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