Já me disseram que escrever sobre qualquer assunto relacionado com religião é o mesmo que mexer em casa de marimbondo, visto que cada um tem o seu jeito de complicar as coisas simples. Então por que tenho eu que me meter a canoar nesse oceano? Não tenho nenhuma formação específica que me autorize a falar de alma, espírito, céu – temas fascinantes mas emaranhados demais. Sou apenas um poetinha amador, e o que falo brota intuitivamente do coração. Assim, ao me sentar para redigir um texto, começo pedindo ao meu anjo protetor que só me deixe escrever o que de algum modo possa fazer bem a quem vai ler.
Até já li alguns grandes sábios da área – Agostinho, Tomás de Aquino, Teilhard Chardin e outros tantos. Porém acho mais fácil aprender lendo Isaías, Mateus, Lucas, Marcos, João, Paulo. Gosto especialmente das parábolas, como por exemplo a do trigo e do joio – aquela em que Jesus, com tanta simplicidade e clareza, convida a gente a imaginar a humanidade como um vasto campo de trigo em meio ao qual o joio cresceu e estragou o enredo.
Vamos lá. Trigo seria o conjunto dos que, independentemente de sua condição religiosa, prezam e praticam as virtudes da bondade, da justiça e do amor, ou seja, os seres humanos que, pela boa formação e pelos seus bons pendores, mostram-se preparados para partilhar uma convivência fraterna e pacífica com os semelhantes. Pessoas honestas, amenas, justas, bem-humoradas, respeitadoras, prestativas. Homens e mulheres intrinsecamente felizes, porque têm o coração puro, a alma serena, a consciência tranquila. Ainda que muitas dessas pessoas padeçam dores ou carências físicas, são espiritualmente afortunadas.
Joio seriam os que odeiam, invejam, pervertem, humilham, roubam, matam; os traiçoeiros, os arrogantes; os que, por ambição, vingança ou egoísmo, são capazes de praticar qualquer perversidade. Pessoas profundamente infelizes, porque têm o coração azedo, a alma amargurada, a consciência cheia de remorsos. Sofrem demais.
Assim é a família humana: um trigal bonito e fértil, mas prejudicado pela incômoda vizinhança com a erva daninha. Uma encantadora comunidade formada, em sua imensa maioria, por gente da melhor qualidade, mas impossibilitada de viver em paz e em segurança devido à constante ameaça de ser molestada.
Mas será assim eternamente? Queira Deus que não. A fé e a esperança asseguram que algum dia, com a compreensão e a generosa ajuda do trigo, o joio há de também tornar-se trigo. O lobo e o cordeiro comerão juntos. E finalmente o irmão será irmão do irmão.
Utopia? Pode até ser. Mas aprendi que utopia não é uma coisa que não existe. Existe sim. Talvez, por enquanto, apenas como um belo sonho de poeta, porém algum dia existirá de fato, para o bem de toda a humanidade. Amém.
A. A. de Assis
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