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Agnus Dei

O professor Polyclínio não era ateu, como alguns imaginavam. De fato não seguia nenhuma religião específica, mas com frequência dizia crer num Deus criador, amoroso e justo. E vejam só: o amigo com quem mais gostava de conversar era o seu vizinho padre José, com o qual se reunia duas ou três vezes por semana para um joguinho de xadrez e longas deambulações filosóficas regadas a chá de erva-cidreira com biscoitos de polvilho.

Mais ainda: era chegadão em música religiosa clássica; por isso, toda vez que o padre José celebrava missa solene, lá estava ele sentadinho e atento no último banco da igreja, bem próximo ao coro. Emocionava-se especialmente quando ouvia o “Agnus Dei” – “Agnus Dei qui tollis peccata mundi” (Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo).

“Essa é a frase mais instigante da liturgia”, comentou certa vez o velho mestre, e bem a seu jeito, numa suave sequência de metáforas, fez a narrativa que adiante tentarei reproduzir:

“Deus no princípio estava grávido. Pai e Mãe ao mesmo tempo, trazia no coração um casal de filhos, destinados a serem terna e eternamente amados. Ao menino daria o nome de Homem e à menina o nome de Mulher.

“Enquanto se desenvolvia a gestação, Deus ia preparando o enxoval: fez o céu e fez a terra; fez o sol e fez a lua; fez as águas e os campos e as florestas; fez os passarinhos, os peixes, os bichos todos; fez as flores, fez os frutos, fez os sons e fez as cores. E viu que tudo era bom.

“Trouxe Deus então à luz as suas criancinhas, às quais deu de presente a natureza inteira, e ao mesmo tempo a responsabilidade de bem administrarem o patrimônio recebido. Para tanto confiou-lhes quatro preciosos dons: o dom do amor, o da inteligência, o da vontade e o da liberdade.

“Assim dotados, o homem e a mulher cresceram e multiplicaram, depois por todo o planeta se espalharam, porém não durou muito a harmonia. Uns e outras aprenderam logo a competir e a querer mais… e mais… e mais… muito mais que o que de graça lhes foi dado.

“Daí que a inteligência aos poucos virou esperteza, a vontade virou ganância, a liberdade virou abuso. E o que era amor foi também aos poucos virando egoísmo, ambição, inveja, raiva, violência, vaidade, soberba, arrogância, mentira, calúnia, traição, tara etc. etc. etc.

“Deus decerto chorou. Porém não desistiu. Enquanto houvesse na Terra um justo, ele manteria viva a esperança. Viu que havia justos sim. Aliás a grande maioria. Era preciso, todavia, recuperar os desencaminhados. Trazer de volta os que do paraíso fugiram. Os filhos pródigos.

“Foi aí que se deu o mais belo e generoso de todos os atos de amor: o Pai criador se fez Filho redentor na pessoa de Jesus – o Cordeiro de Deus – e veio morar conosco para nos livrar do mal.

“Que bom. A Terra foi feita para ser um tranquilo e alegre condomínio de homens e mulheres fraternos e amáveis. A fé me diz que um dia assim de fato será. A grande maioria das pessoas é gente muito boa e de paz. O Cordeiro há de tirar o que há de maldade no mundo (‘Agnus Dei qui tollis peccata mundi’). Há de curar as almas enfermas, e finalmente reinaugurar o paraíso”.

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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