“Por que vós, tão gravata-e-colarinho? O você comunica muito mais”. Quem disse isso foi Carlos Drummond de Andrade, o megapoeta.
Os portugueses são muito bons em pronomes e lidam sem dificuldade com essa coisa de “tu” e “vós”, mas na maior parte do Brasil o tratamento habitual é “você”. Tanto que, nas regiões onde o “tu” é mais usado como indicativo de intimidade, é comum o falante escorregar em discordâncias como “tu gosta”, “tu viu”. Nesse caso, por que não eliminar de vez o “tu” e o “vós”? A gente ficaria com o “você”, que é menos complicado e “comunica muito mais”.
Veja como seria fácil conjugar verbos: Eu estou, você está, ele está, nós estamos, vocês estão, eles estão…. Se for preciso usar tratamento cerimonioso, bastará substituir “você” por “o senhor”, “a senhora”. E se, por exigência de algum ultrarrigoroso protocolo, não for possível simplificar as coisas, o “você” se transformará em “vossa senhoria”, “vossa excelência”, mas sempre com o verbo na terceira pessoa.
Os políticos, que por ofício precisam se aproximar do povo, poderiam ser os primeiros a arquivar o tal de “vós”, até pelo perigo de misturar “vós” com “vossa excelência” e formar aquela salada: “Saúdo vossa excelência e vossa luzidia comitiva nesta honrosa visita que fazeis ao nosso próspero município…” Ora, “vossa excelência” concorda com “seu/sua” e pede o verbo na terceira pessoa do singular; “vós” concorda com “vosso/vossa” e pede o verbo na segunda do plural. “Vossa excelência” é apenas a roupa de gala do “você” (forma reduzida do antigo “vossa mercê”).
Dessa trapalhada no uso das expressões de tratamento não escapam nem mesmo pessoas mais cultas, igualmente sujeitas a ocasionais cochilos na concordância.
“Tu” e “vós” são pronomes realmente complexos para uma população habituada a conversar usando o familiaríssimo “você”. Seria, portanto, sábio e prático aposentar logo os dois tropeços que só servem para aumentar os desarranjos gramaticais. Diríamos simplesmente assim: “Eu quero, você quer, ele quer, nós queremos, vocês querem, eles querem”. E nenhum estudante precisaria mais dizer o que de um deles certa vez ouvi: que “o verbo se fez problema e habitou entre nós”…
Ninguém, na fala real, diz “vós gostais”; dizemos “vocês gostam”. Até a Bíblia, para comunicar mais, tem aparecido hoje em versões populares, onde o “vós” cede lugar ao “você”: “Amem-se uns aos outros como eu amo vocês”.
Esquecer o “tu” e o “vós” seria um bom passo em benefício da descomplicação da língua. Acabaria a vexação de dizer “tu vai”, “vossa excelência quereis…” E o discurso ficaria mais leve: “Saúdo o senhor e sua luzidia comitiva nesta honrosa visita que fazem ao nosso próspero município”.
Penso até que a comitiva ficaria mais luzidia e bem mais próspero o município…
A. A. de Assis
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