Fico pensando que foi assim: o grande e generoso Artista primeiro criou em pensamento o homem e a mulher e os deixou quietinhos no seu coração, como que numa sala de espera. Em seguida criou o céu e a terra e tudo o que nesse imenso espaço existe: o sol, as águas, os campos, as matas, as aves, os peixes, os bichos, as flores, os frutos, a lua, as estrelas…
Quando viu que tudo estava pronto e que tudo era muito bom, chamou a mulher e o homem, soprou-lhes o dom da inteligência e a eles determinou: “Cresçam e se multipliquem, cuidem bem deste planeta, vivam nele em abundância, mas sobretudo amem, amem, amem”.
Na parte que só depende da natureza, funciona tudo direitinho. O sol continua iluminando e gerando energia. A lua continua adornando a noite e inspirando os poetas. Os mares e os rios continuam produzindo peixes e servindo de pista para a navegação. As árvores continuam fornecendo frutos e hospedando os pássaros, que por sua vez continuam gorjeando. Tudo como foi carinhosamente sonhado pelo boníssimo Artista maior.
Só o homem e a mulher – justamente os seres havidos por mais sábios – ainda não aprendemos a fazer bem feito o que fomos equipados para fazer.
Aprendemos a ler, escrever, fazer contas, cozinhar, tecer pano e costurar roupa bonita, curar doenças, produzir música, esculpir estátuas, pintar figuras, escrever poemas.
Aprendemos a fazer um monte de coisas: casas, estradas, túneis, pontes, trens, automóveis, navios, aviões, fábricas, hidrelétricas, engenhocas de todo tipo, computadores.
Porém, que pena, falta a gente aprender a ser um ser de fato humano. Falta aprender a ser irmão/irmã. Primeiro de tudo porque ainda não aprendemos a amar.
Aí fica tudo complicado. Ficamos todos o tempo todo competindo, brigando, guerreando, gastando um tempo enorme e uma fortuna imensa fabricando armas e construindo muros.
Então de que adiantou o grande Artista criar um mundo tão generoso e belo? Será que a gente tem jus a tanto? Será que a gente merece?…
Não teria sido mais simples o grande Artista haver criado um ser já prontinho para ser efetivamente humano e dessa forma ser feliz? Por que deixar por nossa conta o acabamento?
Egoísmo, ganância, ódio, inveja, orgulho, arrogância, safadeza, perversidade, essas desvirtudes todas tão horríveis, por que já não nascemos vacinados contra tais enfermidades?
Tudo faz crer que o grande e sapientíssimo Artista tenha achado melhor que o dom maior fosse a nossa liberdade. Não nos sentiríamos suficientemente realizados se tivéssemos recebido de mão beijada a graça da perfeição. Para dar mais valor às nossas potencialidades, teríamos de nos sentir coautores de nós mesmos.
Paciência então. Um dia chegaremos ao ponto. Deus, o supremo Artista, o amoroso Criador de todas as coisas e de todos os seres, é antes de tudo Pai.
A. A. de Assis
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