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S. Exa., o representante

Excelentíssimo senhor doutor Jorivaldo Peras, digníssimo representante do excelentíssimo senhor doutor Castrovildo Maçãs… Ilustríssimo senhor professor Perinardo Limão, digníssimo representante do excelentíssimo senhor doutor Bertocleto Pitangas…

     Na mesa de honra acotovelavam-se uns dez excelentíssimos senhores representantes de umas dez excelentíssimas ilustres personalidades lamentavelmente ausentes. Pior: cada orador fazia questão de repetir os nomes de todos os cujos ditos excelentíssimos senhores representantes e de todos os excelentíssimos senhores representados.

     A tal ponto que o respeitável público, não tendo mais “sk” para escutar tão longo rol de “íssimos”, começou a se retirar, deixando o auditório vazio.

     Isso me fez lembrar o então jovem poeta Didu Guidon, que no início dos anos 1960 era secretário do excelentíssimo senhor prefeito de uma bonita cidadezinha do interior, seu meio-tio e amigo Aristoldo Ruivo. O prefeito recebia seguidamente convites para todo tipo de evento: festa de formatura, casamento, campeonato de jogo de malha, velório, inauguração de loja, churrasco, banquete de bodas de ouro, jantar de clube de serviços, eleição de rainha etc. etc.

     Como não podia atender pessoalmente a tantas honradezas, e embora todos os convidantes insistissem em que “sua nobre presença iria dar especial brilhantismo ao acontecimento”, Aristoldo chamava o Didu: “Você precisa me quebrar mais esse galho. Vá lá e me represente. Mande bater um ofício com a justificativa, que eu assino”.

     O ofício não seria problema. A datilógrafa já até havia decorado a fórmula, variando apenas o nome do representante. O duro era ser o representante.

     Muito vivo, Didu tinha lá os seus macetes. Sabia que quem convida alguma pessoa importante para qualquer solenidade quer ter essa pessoa presente e ao vivo. O representante pode, até certo ponto, satisfazer o protocolo, mas nunca substitui à altura o excelentíssimo senhor titular.  

     Imagine, por exemplo, como se sentiria o próprio Aristoldo se, tendo convidado Garrincha para inaugurar o novo campo de futebol da cidade, lá aparecesse um desconhecido funcionário do Botafogo como representante do craque… Claro: Garrincha teria enviado um gentil ofício alegando “compromisso inadiável anteriormente assumido”. Mas seria a mesma coisa?…

     Com os seus costumeiros bons modos, Bidu Guidon aceitava a incumbência, dizendo ao burgomestre que podia ficar sossegado. Passava, no entanto, invariavelmente, a bola pra frente. Chamava algum outro servidor da prefeitura, ou algum ilustre correligionário político, e transferia a representação. Depois explicava ao chefe que teve um imprevisto qualquer, e mais uma vez escapava do incômodo de ser chamado de “excelentíssimo senhor doutor representante”.

     Conseguiu assim terminar os quatro anos de mandato do tio prefeito Aristoldo sem jamais experimentar a dificultosa situação de estepe

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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