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Falamos latim

Pois é… nossa língua, como temos comentado, a partir de certo momento da história passou a chamar-se português. Mas, pensando bem, falamos ainda latim. Modificado a ponto de mudar de nome, porém ainda e sempre latim. E não apenas um, senão dois latins: o vulgar e o erudito. O vulgar veio com os romanos quando invadiram a península Ibérica (Espanha e Portugal); o erudito “ressuscitou” durante a Renascença (séculos 15 e 16), quando as pessoas mais cultas voltaram a ler os clássicos da Antiguidade greco-romana: Aristóteles, Platão, Cícero, Virgílio… O vulgar chegou até nós pela boca do povo; o erudito pela escola e pelos livros.

     No século 16, em Portugal, a boca do povo já havia “mastigado” bem o latim, simplificando-o e o ajustando ao jeito local de falar. Mas os eruditos da época, entre os quais nosso máximo poeta Luís de Camões, animados pela moda renascentista, decidiram ir de novo à fonte e de lá trouxeram, renascido, o vocabulário clássico. Assim, cadeira voltou a ser “cátedra”inteiro voltou a ser “íntegro”, mancha voltou a ser “mácula”, e por aí afora.

     Na fala, todavia, a língua se modifica muito mais rapidamente do que na escrita. Ou talvez até mais sabiamente, visto que se guia pelas “preferências” do aparelho fonador (“lei do menor esforço”). Por exemplo: o erudito se delicia com as proparoxítonas – diz álacre; o povo acha mais fácil dizer alegre. Como supunha Gilberto Amado, se tivesse permanecido mais tempo na boca do povo (sem a monitoração da escola), a língua portuguesa teria eliminado as proparoxítonas, como aconteceu com o francês. Abóbora seria “abobra”chácara seria “chacra”córrego seria “corgo”

     Por obra e arte desses dois canais de entrada do latim em nossa vida, acabamos formando uma língua ao mesmo tempo nobre e plebeia. Por via plebeia, escutamos; por via nobre, auscultamos. O povo diz chama; o erudito diz flama. Um diz cheio, outro diz pleno; um diz redondo, outro rotundo; um diz livrar, outro liberar

     Curioso também é observar que os substantivos (porque usados com maior frequência) mudaram mais que os adjetivos: do latim “ecclesia” temos em português o substantivo “igreja”, mas o adjetivo é “eclesial”. Do mesmo modo: boi e bovino “(de bovis”) cabelo e capilar (de “capillus”); chuva e pluvial (de “pluvia”); dedo e digital (de “digitus”); grau e gradual (de “gradus”); ilha e insular (de “insula”); olho e ocular (de “oculus”); orelha e auricular (de “auricula”); ovelha e ovino (de “ovis”);  pai e paterno (de “pater”);  umbigo e umbilical (de “umbilicus”)… 

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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