O professor Amauri Meller, diretor das Faculdades Maringá, pioneiro ilustre e respeitado na cidade, nas horas vagas sempre curtiu uma boa pescaria. Lá um dia, na beira do rio, entrou a discutir detalhes com um pescador profissional. Ele, um homem da cidade, a deitar erudição sobre peixes no ouvido de um caboclo que já nascera mexendo com anzóis e tarrafas.
Sei lá eu de que falavam, qualquer coisa referente a tipos de iscas, temperatura da água, estações do ano… O fato é que Amauri tentava provar por a + b que em determinadas horas de determinados dias, e em determinadas circunstâncias, a colheita de peixes costumava ser mais farta. Tentava provar e provava. Por a + b.
– Credito no senhor – disse o homem. Mas só porque o senhor é um chicorgo.
Renomado professor de física e de matemática, acostumado a lidar com senos, cossenos e mil complicadas fórmulas, Amauri até entende também bastante de agricultura, pecuária, piscicultura e de outras artes e engenhos. Contudo não imaginava o que pudesse ser chicorgo.
Ficava chato confessar sua insapiência no assunto. O pescador poderia estar armando um jeito de pisar nalgum ponto fraco da cultura do mestre. Iria depois dizer que certos segredos são reservados aos nascidos na profissão. E o professor da cidade podia entender lá das suas trigonometrias e dos seus pitágoras, mas de chicorgo não sabia nada.
Amauri desviou a conversa. Quis saber como ia a soja na região… se o pasto estava bom para o gado… se o pessoal do sítio estava contente com os preços dos seus produtos… se ainda havia lavouras de café nas vizinhanças…se isso, se mais aquilo… Mas nada de atinar com o que pudesse vir a ser o tal de chicorgo.
Pensou em deixar de lado o vexame e humildemente pedir ao caboclo que lhe traduzisse a estranha palavra. Mas… e se o homem se ofendesse? E se fosse coisa tão simples que reduzisse o prestígio do professor?
Pergunta, não pergunta… melhor matutar um pouco mais.
Chicorgo? – indagava Amauri às distantes memórias do seu tempo de colégio interno. Talvez fosse algum regionalismo. Algum dialeto do sul ou do norte. O homem coçou a barba e veio com nova pergunta:
– O senhor, que estudou chicorgo, pode me dizer se é mesmo verdade que as represa que tão fazendo nos rio vai desarranjar os tempo de chuva?
– Há possibilidade de que sim. A natureza está sendo muito violentada.
Mas que diabo… será que chicorgo tem algo a ver com meteorologia?
Não tinha. Depois de muita conversa, o professor afinal matou a charada: “chicorgo” era apenas a maneira como o simpático parceiro de pescaria pronunciava a palavra “psicólogo”. E ele nem para desconfiar.
A. A. de Assis
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